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Deve Haver

by Nuno Prata

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1.
Dessa dor só te lembras nas alturas em que inventas vãos motivos para sofrer. Essa dor não a trazes. Essa dor só a usas quando queres fingir que não sabes rir. Essa dor não existe. Essa dor nunca sentiste. Essa dor não a tens. (Tu isso sabes, não sabes?) Essa dor não te serve. Essa dor só a vestes quando já não tens mais nada a dizer. Essa dor dá-te jeito. Essa dor é perfeita para termos todos pena de ti. Essa dor não é nada. Essa dor só acaba com o que ainda resta de ti. (Mas isso sabes, não sabes?) Porque é que dela precisas? Será mesmo que acreditas que o que não foi é aquilo que hoje te rói? Não te maces, não te canses... Não te mates, pois outros homens virão fazer de ti o que eles são. Essa dor não é tua, acho que a achaste na rua, ingrato resto de alguém. Essa dor não é nada. Essa dor só acaba com o que ainda resta de ti. Essa dor não existe. Essa dor nunca sentiste, por isso sabe-te bem. (Isso tu sabes que eu sei.)
2.
Mais um belo dia, não vês? Uma vez mais não vês. Não te chega não ver, ainda queres esconder-nos o que nunca é de mais para quem de trás não traz paz decente — e estamos todos inocentes. Mas um belo dia alguém vai ter de pagar, não crês? Vê se vês outra solução; eu, por mim, sabes que viso sempre a amizade e a compreensão. Eu não estou cá por querer. Por mim, nem sequer estava aqui. Mas esta é a minha função: não deixar que te esqueças de ti. Crês ao querer crer ser o que não és? Querer crer não é crer, não vês, querer crer é fugir; é fingir. Luta, tens de lutar ou é o medo de morrer que te vai matar. Nunca pudeste? Nunca nasceste. Como fizeste para crescer? Já houve um dia em que tudo dava certo, se fazia sol ou se chovia era-me igual. Mas o dia passou e explicou-me o amor, a amizade... Na realidade, o verão acabou e o que sobrou fui eu. Eu não pedi pra nascer. Mas, já que cheguei até aqui, tenho um longo caminho a correr. Tenho tanto para ver...
3.
Silêncio atrai silêncio. Atroz é o silêncio quando aí ouvimos a nossa voz. Violência atrai violência. Trago a consciência entorpecida por tanta coisa que dói. O que eu não fiz não quero ver, o que eu não quis não quero ter. O que eu não dava pra sair deste marasmo em que me afogo. Incêndio atrás de incêndio salvo sempre o mesmo para não duvidar do coração; pra ter noção do chão — são filhos de outras lutas, já vencidas, que me inspiram a ambição. O que eu não quis preciso ter, o que eu não fiz vou ter de fazer. Afinal não posso esperar mais um minuto, este minuto sequer, se quero viver sem depender daquilo que Deus quer. Domesticada a mente ponho-me ao corrente: tudo passa se os passos se dão em frente. E, consequentemente, esbracejo exasperado entre o passado, o futuro e o presente. Se ainda não fiz nunca hei-de fazer, se isto não entendo nada hei-de entender. O que eu não dava pra ter paz... O que eu não dava pra deixar de doer. Dou tempo ao tempo, o tempo nada me dá em troca, aliás, pede-me sempre mais tempo. Só mais um mês, aguento, invento novas vidas, novas ruas onde esquecer o tormento. Depois daí fico à mercê não sei de quem, não sei de quê. Depois daí é o que for. Volto pra dentro, que é onde estou melhor, e vou desfiando o meu rosário de rancor. Vejo-me um trágico comediante a rir-se à sobremesa no restaurante.
4.
Se é isso que precisas, então está decidido. Não vou mentir. Mentir não sara um coração ferido e eu não consigo dar mais do que o que sou. Talvez que com o tempo isto ganhasse algum sentido. Não vou mentir. Carinho não é amor garantido mas é exactamente aquilo que sobrou. Se é isso que persegues, então está resolvido. Só não me peças que fique hoje aqui a dormir contigo — não me parece que haja algum motivo. Se queres ter as certezas que te traz a despedida, então adeus, eu já me considero despedido. Não foi hoje que isto acabou. Se acabou, acabou. Eu já cá não estou. Se acabou, acabou. Eu não posso ficar cá agarrado àquilo que outra vez falhou.
5.
Como que morto prò mundo expiro num sono profundo enterrado no colchão, quando a minha mulher me chama e me faz saltar da cama pergunta "Sabes que horas são? É que eu já estou atrasada e a bebé está acordada a precisar de atenção." Mudo a fralda à bebé ainda a dormir em pé a tactear na escuridão; tento combinar-lhe a roupa antes de lhe dar a sopa (é essa a indicação). Entrego a bebé à avó pra conseguir ficar só enquanto elas vão dar a volta ao quarteirão. Aproveito assim que posso pra aquecer o meu almoço, um resto de arroz de feijão que vou comer para o sofá a amaldiçoar a manhã e o amanhã deitado em frente à televisão. Diz-se "um dia não são dias", mas às vezes é esta a frustração: a de saber que quando são um dia não são dias não. Passo o dia em pijama pronto pra voltar prà cama, a curtir a depressão. Tenho um emprego precário, um part-time temporário, um biscate que arranjei no fim do verão; mas hoje é o meu dia de folga: é o dia que mais me empolga, é uma verdadeira vocação. Também já fui avisado que no fim do mês vou ser dispensado — a crise é a justificação. Então, em vez de proletário a fingir volto a ser o que sempre fui: um burguês falido; volto a ser o meu próprio patrão, a magicar o dia inteiro mil maneiras de conseguir ter dinheiro sem cravar a mulher, a mãe e o irmão. Diz-se "um dia não são dias", mas às vezes é esta a frustração: a de saber que quando são um dia não são dias não.
6.
Vamos repetir até à exaustão este estúpido refrão, até que justifique uma canção. Vamos repetir: vamos repetir.
7.
Em tempos fui feliz. Em tempos fui um rapaz tão afável. Em tempos fui — mas isso foi antes de descrer de tudo. (Foi muito antes de descrer de tudo.) Em tempos foi feliz. Em tempos foi uma rapariga adorável. Em tempos foi — mas isso foi antes de desistir de si. (Foi muito antes de desistir de si.) Em tempos fomos felizes. Em tempos fomos criaturas tão prestáveis. Em tempos fomos — mas isso foi antes de sairmos ao mundo. (Foi muito antes de sairmos ao mundo.)
8.
Não olhes para trás, aceita como um homem aquilo que fizeste ontem quando ainda eras rapaz. "Está tudo mal." Está tudo mal mas isso é normal, estar tudo mal. Não olhes para nós, só queremos ter a vida bem concreta e definida como os nossos avós, o que é normal. Isso é normal. É o mais natural, não encontras aqui nada de especial. Não te queiras assim agarrado à tua palavra. Não vês que ela sempre acaba escrava do seu fim? E isso está mal. Está mesmo mal. Até soa mal. E fica-te tão mal. Não te armes agora em salvador da família por perder noites em vigília com as tripas todas de fora. Porque isso faz mal. Faz muito mal. Não vês que faz mal? Só te faz mal.
9.
Cala-te e come, tu não precisas indagar a direcção. Cala-te e come, tu não tens necessidade de reter tanta informação. Cala-te e come, já não és novo, vê se prestas atenção. Mas acalma-te e come que não tens ainda idade para morrer do coração. Cala-te e come, passaste ao largo da tua revolução. Cala-te e come, há muito que chegaste a essa conclusão — ou não. Cala-te e come, e limpa-te ao guardanapo que é essa velha frustração. Mas acalma-te e come, foste capaz de tomar a tua própria indecisão. Cala-te e come, senta-te, e entretanto liga a televisão. Cala-te e come, corre os canais à procura de distracção. Cala-te e come, que a angústia vem sempre que persegues acção. Mas acalma-te e come, assim prostrado nem dás conta dessa estúpida aflição. Cala-te e come, comer e calar é mais que uma obrigação. Cala-te e come, esse menu é a derradeira refeição. Cala-te e come, agradece, será que não te deram nenhuma educação? Homem, acalma-te e come, não te canses, guarda para ti a tua inútil opinião. Cala-te e come, come-te e cala, cala-te e come. Cala-te e come, tu não precisas indagar a direcção. Cala-te e come, tu não tens necessidade de reter tanta informação. Cala-te e come, tu não precisas passar fome. Cala-te e come, deita-te e dorme.
10.
Como foi? 01:57
Como foi, como acabou — afinal o que é que o medo não deixou? Do que fiz, o que sobrou? (O tempo mostra-me só o que matou.) Quem me fez, quem me enganou, ao menos que me explique agora o que sou. Quem me fez, quem me mudou, ao menos que me diga agora onde estou. Como foi, como acabou? (Haja alguém que me explique agora onde estou.)
11.
Vistas bem as coisas, nunca estive tão bem: trago as ideias claras às minhas custas. Não me venhas com coisas, em que é que se sustém a tua teoria de que a culpa é de quem não vê que o que passou, passou? Vistas bem as coisas, é pior com que sem (são tantos os detalhes que a mim me escapam). Eu sinto sempre culpa por não fazer o bem, por querer fazer sentir a culpa a quem efectivamente a tem. Dorme bem, que eu durmo bem... Durmam bem, que eu durmo bem. Vistas bem as coisas, eu nunca encaixei bem todos estes equívocos episódicos que a mim me dão vontade de te rasgar os sonhos, e mostrar que aquilo que precisas é sentir-me dentro de ti. Dorme bem, meu bem, dorme bem... Dorme bem, eu só quero o teu bem. Vistas bem as coisas nunca estive tão bem: por muito que me custe está tudo claro.
12.
Vês o que eu vejo? (ainda respiro) Por onde andei, por onde sigo? Pus meus pés em chão que não sentia e hoje nem me lembro mais o que queria. Vês o que tenho (e porque vivo)? Leva uma vida, mas eu consigo: andar, andar, e nunca parar. (Parar é duvidar, e eu já não duvido.) Já sinto o peito, já me distingo. Já sou um homem, já estou comigo. E rir como antes, como quando ria, é só o que falta mas agora já vai de mim. Tu não tens nada a ver, já não tens nada a ver. Tu escolheste e não foi por aqui que vieste, sobrei muito mais que aquilo que não quiseste.

credits

released October 25, 2010

Produzido por Hélder Gonçalves / Misturado por Nélson Carvalho nos Estúdios Valentim de Carvalho / Masterizado por Andy VanDette no Buzz Studio NY / Canções de Nuno Prata / Arranjos de Nuno Prata e Nico Tricot / Gravado por Hélder Gonçalves n'O Nosso Gravador entre Setembro de 2009 e Maio de 2010 / Gravações adicionais por Nuno Prata e Nico Tricot / Ilustração e design de Marco Mendes

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Nuno Prata Porto, Portugal

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